sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

A TIRANIA DOS REIS

Ouve-se de longe o trote dos cavalos
Nas estradas por onde sua majestade impõe
Uma brutal tirania que sua vilania expõe
E os seus atos de horror - a quem caberá julgá-los?

A divina linhagem que justifica suas ações
Teria herdado de Deus terrível legitimidade
Para criar vassalos e disseminar a sua maldade
Legando o desespero a incontáveis gerações?

A opressão da realeza encontrará, com brevidade,
Quando vier das ruas o grito de liberdade,
O fim que lhe espera entre as vergonhas da história

E o trono cujo sangue não encontrará herdeiros
Desaparecerá então, quando não houver mais cativeiros
Nem heranças do passado que ofendam nossa memória.

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

A OPULÊNCIA DOS REIS

Túnicas elegantes em tecidos refinados
Cobrem a nobreza e sua majestade corpulenta
Em gigantescos banquetes, numa orgia suculenta
De comida e bebida, todos ficam enfartados.

Tanta opulência desfilando numa mesa de carvalho
Extraído das florestas e dos campos cultivados
Pela plebe empobrecida, camponeses explorados,
Sua lágrima, na alvorada, se confunde com o orvalho.

Ó rei que sobre a terra seu domínio alcança
Abre as portas do castelo e quebra tua rotina
Para que o povo, como tu, possa encher a pança.

Caso contrário vossa plebe, em fúria repentina,
Poderá lhe reservar a ponta de uma lança
Ou teu pescoço, jóia rara, encontrará a guilhotina!

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

A SABEDORIA DOS REIS

Trêmulo e suando, num repente despertado,
Acordando de um sonho, um pesadelo talvez,
Num recôndito aposento misticamente revelado
Encontrava-se a fonte da sabedoria dos reis.

Qual minha surpresa ao perceber, ainda admirado
Que o segredo desvelado se dividia em três
Pois a um rei não poderia jamais faltar em seu legado
Um livro, um coração e um tabuleiro de xadrez.

Se pelas peças que movia, sua estratégia era exaltada
Encontrando na biblioteca constantemente visitada
O conhecimento pelo qual guiava uma nação

Era do povo, em verdade, sua voz apaixonada
E por ele a coroa levantava sua espada
Para morrer com toda honra e lutar sem compaixão.

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

ESPÍRITO DO TEMPO

O meu tempo não pára como pararia antigamente,
Como a moderna tradição de um passado envolvente,
Sua presença na história no meu tempo não se iguala.

O meu tempo não pára como pararia aquele trem
Numa velha estação, donde meu coração vem,
Amando o que passou e do qual não mais se fala.

Em meu tempo muitos verbos se conjugam no futuro
Mas entre nossos tempos não existe estrada ou muro
Que separe o concreto, o fantástico e o real.

Eu sou dessa época a encruzilhada de dois mundos
A contradição incontornável de sentimentos tão profundos
A antítese e a síntese do particular e universal.

Encontram-se encarnados nesse tempo que não espera
Os elementos que apontam o devir de uma nova era
Envoltos na noite escura do pensamento e da razão.

Apreendo dessa vida o movimento mais constante
Desse tempo que não foi, mas está sendo a cada instante
O fim de tudo que começa, a negação da negação.

Mas o que outrora sob estrelas poderia ser negado
É a máquina de guerra desse tempo encarcerado
Nas entrelinhas do discurso de um orador eloqüente.

A rosa que lhe dou é a arma desse tempo
A magia que desperta de um passado sonolento
É o segredo do espírito que dele estava ausente.

sábado, 30 de outubro de 2010

AMOR AO MAR

Como suave navegante nosso amor chegou à costa
E encontrado a salvo o naufragado coração
Berrou às ondas e às nuvens que anseiam a imensidão
Do mar profundo onde o silêncio lhe trouxera uma resposta.

As vagas que trouxeram esse errante coração
Noutros tempos navegavam oceanos abissais
Mas as marés as conduziram a belíssimos corais
E à terra firme das estepes em total contemplação.

A leste se encontrava o meu amor tão desejado
Cruzando oceanos, onde meu mar havia sonhado,
As brancas nuvens de tua pele compõem alva harmonia

Entre a areia e o horizonte anseio teu azul profundo
Ó mar do meu amor, tua superfície é o meu mundo
A constelação que a ilumina tem em ti estrela guia.

sábado, 16 de outubro de 2010

INVERNO DE MINH’ALMA

De fora avisto um letreiro iluminado
No teatro das sombras, espetáculo desperto
D’um sono profundo, um vulto encoberto
Das cortinas anuncia: primeiro ato iniciado!

Minha alma cambaleia sob as luzes da ribalta
Ao desespero da platéia, a essa altura enfurecida
Degenerada orda, canalhada decaída
Expulsa a emoção que o meu coração assalta

Uivando repentino pela porta entreaberta
Um vento gelado no meu peito aperta
Prenunciando na aurora derradeira temporada

Eis aqui o último papel que represento
O ocaso de uma vida, canção sem andamento
O espelho de minh’alma é uma casa abandonada.

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

PÁLIDOS MISTÉRIOS

Folheando as páginas de um livro encontrado
Entre o mofo e a poeira d'um jardim misterioso
Encoberto pelo musgo, um trabalho primoroso
Esplendidamente escrito e finamente ilustrado

Descobri mistérios duma profundidade alucinante
Que arrepiam a alma num tremor cabuloso
E cujos segredos nenhum iniciado ansioso
Deve revelar antes do amanhecer radiante

Triste sina de um cavaleiro errante
Neófito escravizado num sortilégio arrepiante
Na infindável noite deste volume empoeirado

Cada palavra lhe acentua uma febre delirante
O mistério ali encerrado proclama um aviso incessante:
"O poder em que se funda não deverá ser revelado!".



Poema dedicado ao grande mestre H.P.Lovecraft.

sábado, 25 de setembro de 2010

TALENTO

Forma e conteúdo não encontram harmonia
Nem métrica ou rima aqui encontrarás
Inexiste assim nesta paupérrima epifania
Belas palavras ou a genialidade que lhe apraz.

As tradições não foram postas de lado
Mas refinamento este arremedo não contém
Tal o pensamento inculto e atravessado
Deste homem do povo, o que ao douto não convém.

Não é preciso desenhar nestas linhas mal traçadas
Um diagrama para que tu consigas entender
Que a liberdade de Drummond e as bandeiras eriçadas
Proclamam a liberdade de, ao gosto, escolher.

Poesia formal ou versos brancos?
Temas polêmicos ou odes ao amor?
Formas e Idéias nos tocam aos tantos
E nem sempre o melhor consolo é a dor.

Como sei nada entender de poesia
E teu intelecto é um primor de julgamento
A mediocridade seria uma boa companhia
Se até pra ser medíocre não precisasse de talento.

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

UM ENCONTRO FATAL (2000)

Dois anjos negros olham-se no espelho.
Suas imagens travestem-se de várias almas.
Depois desse encontro, nenhum será o mesmo.
Agora, sua cabeça pesa como um cubo de gelo
Inerte, feroz.
Dos seus olhos nenhuma lágrima se derrama
E seu coração agora é frio como pedra.
É essa imagem que me mata:
Um encontro fatal
Um mergulho no espelho.
Que falta sinto de ti, meu vampiro.
Uma parte de mim morreu contigo.

terça-feira, 17 de agosto de 2010

SONETUS ONIRICUS

Perdido e sozinho - sonhando estaria?
Tateando em espelhos dum labirinto simbólico
Emoções cinestésicas e um espasmo eufórico
Me lançam a dúvida: este lugar, qual seria?

Razão e realidade se perdem em entropia
E minha sanidade, já pouca, duvida da existência
Meus olhos enxergam para além da aparência?
Dormindo ou acordado escrevo estas linhas?

A caneta que me guia é uma nau a deriva
À procura de um porto ou uma alma viva
Que duvide da dúvida e me devolva a vida.

Um nevoeiro me cerca, não há porto à vista
Devo acordar ou dormir? Mesmo que Dédalo insista
Fios de ouro ou mandalas não apontam a saída.

terça-feira, 27 de julho de 2010

SOBRE NOITES E DESISTÊNCIAS

Seria de prata o reluzente punhal
Vilmente cravado em minhas costas tão curtas
Habilmente manejado por mentes vetustas
Que em mim não encontram um feliz serviçal?

Aqueles que lado a lado, ombro a ombro,
Lutaram em busca de novos ares
Agora ocupam outros lugares
Que a eles ocupam e causam assombro.

Assombroso véu que oculta a vilania
Disfarçada de justiça, a injustiça graça
Não há democracia que esconda essa desgraça
Da vaidade torpe envolta em hipocrisia.

Não há solução que apagar faça
Da história o mal que angustia o peito
Pois a maldade herdada e o malefício feito
São como chagas no tempo de uma dor que não passa.

Não há longe um inimigo pior que o caseiro
De quem não se espera nada mais que um afago
Lágrima doída, golpe inesperado,
A ausência sentida de um "nobre cavalheiro".

Mas a tristeza cessa ao raiar do dia
E a decepção travestida de revolta aflora
Levanta-te agora homem, é hora!
A revolução não tarda - Tem em ti o guia!

As noites perdidas ficarão para trás
E a tristeza de outrora agora é poesia
A noite dos "companheiros" talvez não seja tão fria
Mas meu coração é quente e não desistirá jamais!

terça-feira, 29 de junho de 2010

TERRA DE NINGUÉM

Dê-me agora a parte que me toca
Desta terra fértil que te alimentas
Poucas mesas fartas e mil bocas sedentas
Pela angústia e injustiça que nos batem à porta.

As veias me saltam do braço dolorido
Que cultiva, ara e colhe teu sustento
Mas ao final do dia recebo em pagamento
Humilhação como a açoitar este lombo já sofrido.

Aquilo que Adão não lhe deixou em testamento
Tu tomas e usufrui como patrimônio seu
Mas se esta dádiva Deus nenhum lhe deu
Tu és um ladrão disfarçado e nojento.

A comida que te sobra e falta em minha mesa
Do chão que roubaste ela brota e aflora
É colhida por aqueles que tu vilmente explora
E que ainda condenas a morrer na pobreza.

A lágrima da criança de que falta o pão
Dos seus olhos vermelhos neste solo derrama
E o trabalho relegado à condição desumana
Avilta o homem, como um pai sem razão...

Em desespero não foge a mãe aos prantos
Ante à tristeza da fome que lhe ronda a vida
Reproduzindo à história uma prole desnutrida
Cujos frutos lhe foram tirados aos tantos

A tristeza do homem sem terra e sem vez
É o inverso da opulência do grileiro astuto
Que comemora a riqueza com um imenso charuto
Pois sobre os braços de outros sua fortuna se fez.

segunda-feira, 28 de junho de 2010

CRIAÇÃO DE MUNDOS

O mundo pensado e criado
Não está pronto ou acabado.
É uma parábola estreita e esquisita
Embora possamos considerá-la infinita
Se olharmos cada lado dessa história.
E o mais estranho nisso tudo
É que em cada direção que se olha
Maior se torna a empreitada
Fazendo assim pensar se o mundo a criar
É mera função do olhar
Ou, antes de mais nada,
É uma propriedade desse humano,
Tão humano, apenas e demasiadamente.
Tragédia ou piada,
Entre o Tudo e o Nada,
O "Fiat Lux"!

sábado, 17 de abril de 2010

SONETO PARA MINHA ROSA

Uma rosa apenas há no meu jardim
E da sua beleza meu amor extrai
A essência que dela nunca se esvai
E um doce aroma superior ao jasmim.


Nesse jardim não há colméia ou abelha
Mas nele delicio desta rosa o mel
Como a língua que lambe, atingindo o céu
No fogo que arde, do lamber, a centelha...


Amo em minha rosa o mel e a alvura
A volúpia sutil embebida em ternura
E esse olhar casto que espelha minh'alma


Pigmento róseo que anima a brancura
Cada pétala que toco torna ainda mais pura
A vara que cultiva e, em ti, acalma.

sexta-feira, 12 de março de 2010

DIAS E NOITES

Dias e noites, de jornadas vencidas e
Caminhos trilhados.
Retorna à casa, o viajante cansado,
Ao leito adorado,
Ao lugar encantado
Ao seio amado
Em busca do leite,
Do toque ausente,
Da canção latente,
Com o coração, ainda, quente.
Mas algo anda errado.
Leite entornado? Seio gelado?
Fantasmas brotando,
Ressuscitando o passado?
O viajante insiste,
Na casa resiste,
De alicerces sólidos
Se constrói cada passo
De um caminho único, iniciado
Num ponto diferente donde outros terminaram.
E cada estrada tem uma história
E cada história é um mundo
Admirável e novo
No qual tatuamos
A nossa vontade de ser,
Sempre e para sempre,
Singulares e eternos.

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

DECÊNCIA

Versos rimam com uma taça de vinho
Ébrio relance de casto mistério
Envolto nas sombras de um riso funéreo
A gargalhar das "verdades" às quais me avizinho.

Ó melancolia de uma taça vazia
Quão dessemelhante foste de uma íris fosca
Qual essa humanidade abjeta e tosca
Que em nada à terra de nossos ancestrais trazia.

Encha o copo, por favor, ó Lady
Que o doce aroma já nos é inebriante
Uma vela acesa e um olhar intrigante
Um cálice de tu'alma só aumenta minha sede.

Ó decência que o desejo furta
À meia luz me perco em sua vastidão
Ao Inferno adentro de lascívia então
Me perdoe, ó Céu: a noite não será curta!