sexta-feira, 9 de novembro de 2012

GEOGRAFIA


Esquadrinhando teu corpo, deslizando sigo
Tomando teus olhos como estrelas guias
Pelas estradas sinuosas das tuas cercanias
Nas quais me perco enquanto te persigo

Beijando nas tuas montanhas róseos cumes
Medindo suavemente os limites da tua vastidão
Caminho ritmado pelo palpitar do teu coração
Avançando pela planície lânguida até teus alvos lumes

Então te viro do avesso e meu olhar avista
Entre dois montes penetrando o vale do desejo
Circundando grutas que ao adentrar me vejo
Provocando incêndios com uma simples faísca

Mas neste território amplo, meu domínio é vasto
Estendendo-se até as florestas mais obscuras
Às paragens úmidas, onde se praticam loucuras
E repousam incólumes os troncos mais castos

Nestas matas de tuas terras que tenho desbravado
Conhecendo deste chão cada palmo de tua pele
Não há no horizonte o que se esconda ou se revele
Onde minha bandeira não tremule em mastro mais fincado

E assim te cercando como latifúndio, triste é a agonia
Quando tenho que te deixar, mesmo que por um instante
Pois como numa fantasia, o teu reino fica tão distante,
Mas é nele onde o meu amor conhece sua geografia.

quarta-feira, 31 de outubro de 2012

DOENTE



Meu coração chora
De tão apertado pelo ramo de espinhos
Que o sangra, dilacera, e pede a outra face.
Por isso meu peito dói,
Porque cada palavra afiada
No meu peito é cravada
Me fazendo ajoelhar
Porque minhas pernas não aguentam
Tremem como se não houvesse chão
Ou quisessem se desfazer
Diante do jardim
Onde as rosas são regadas com meu pranto,
Pelas lágrimas enfermas
Deste coração moribundo
Doente por te amar.

sexta-feira, 12 de outubro de 2012

PERPÉTUO DESPERTAR



Ontem abri os olhos e sonhei
Que no Sonhar o poder foi usurpado
Seu monarca havia sido destronado
E nele agora eu seria o rei.

Com um poder que jamais havia sonhado
Minha palavra, neste reino, agora era a lei
Então às criaturas da noite ordenei:
"Este mundo não será mais despertado!"

Qual a surpresa eu tive ao descobrir
Que num pesadelo infindável este mundo já vivia
Como sonâmbulo perambulando em eterna agonia
Num sono turbulento, definhando sem sentir.

Tal foi esta visão que ao final não suportei
E quebrei o círculo do mestre encarcerado
Mas ao despertar deste sonho amaldiçoado
Num pesadelo pior ainda me encontrei

Percebi, então, a cada novo despertar
A armadilha na qual eu me encontrava:
Era contra mim que a roda sempre girava
Tecendo o destino que jamais vou escapar.

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

O CÁRCERE


Encontrei lá fora um espelho e nele vi refletidas
As paredes que não mais me cercam,
Mas que continuam a se erguer diante dos meus olhos.
A prisão continua dentro mim.

Nos olhares percebo a vigilância
Como se fossem torres nos muros invisíveis que ainda me rodeiam
Cercando minha liberdade com sua vastidão:
As muralhas são incontornáveis.

As chagas sentidas em meu corpo
Doem menos que a violência
De continuar a ser prisioneiro
Desse estigma que se tornou meu estandarte
Da desesperança estampada em cada esquina do meu caminho.

Para mim só restou a guerra
Que cuspirei de volta pra ti.
Porque para eles
O cárcere continua
Dentro de mim.

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

TERRA PROMETIDA


Aquele que divide plantou sua semente no deserto
Onde a água é pouca, mas abunda intolerância
Donde brotam das colinas rios de ganância
E cujo amaldiçoado destino ninguém sabe ao certo.

Só aquele que é negado por todos entre os seus
Que nesta terra habitou por incontáveis gerações
Conhece a dor e o ódio que nestes vis corações
Crepitam em sua glória no fogo de Prometheus.

É aqui que ele reina, entre muros e lamentações,
Clamando aos seus servos, que lhe seguem aos milhões,
Por almas que lhe ofereçam em grande sacrifício

Pois nesta terra o divisor por três nomes é chamado
Três apelidos que lhe deram neste deserto desolado
Para a única função de ter a morte como ofício.

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

SOMBRIA JORNADA



Difícil é a jornada e o seu retorno inevitável
Da escuridão inefável para a luz perdida
D’onde tudo ocorreu e cessou a vida
Voltando por um caminho perigoso e incontornável

Caminhei inseguro, tateando entre as brumas
Trazendo comigo, companheira, a solidão.
Erguendo os olhos úmidos avistei na imensidão
Uma revoada, que o místico luar cobria de plumas

Dos pássaros que me guiavam, habilmente encantados
Por entre as árvores e arbustos, para longe do abismo
Ouvia seu canto inebriante, um tal melódico malabarismo,
Que meus ouvidos o seguiam como se estivessem enfeitiçados

Passei por vales e montanhas, cruzei o desfiladeiro
Quando no dourado horizonte o sol já apontava
Deixando para trás o luar que me encantava
E a paixão que me levara ao abismo, em desespero.

Chegando exausto ao meu Destino, mas na hora marcada
Recebi da Morte, em noivado, o seu último beijo
Me concedeu, entretanto, como um último desejo,
Uma aliança eterna. Sombrio fim de minha jornada!

quinta-feira, 26 de julho de 2012

MEU MUNDO


No meu mundo não há nada de especial
Tudo aparece como um grande espetáculo
Como um outdoor de mim mesmo
Propagandeando ilusões sobre uma realidade bidimensional.
Feitos homéricos brilham aos olhos e se desfazem
Sucumbindo como um suporte exposto às intempéries
Cuja casca aos poucos se descola
E revela a opacidade e a dureza
À qual aderiu, tão provisoriamente.
Por isso, sou a réplica vazia de tudo que fui
Do sonho magistral que foi sem chegar a ser
Da paixão num palco cujos holofotes
Se apagam lentamente até o breu final
Sem palmas
Sem reverência
Sem continuação.

terça-feira, 5 de junho de 2012

EXTEMPORÂNEO



A realidade é um museu de objetos
Datados, etiquetados e com validade vencida
À disposição, nos supermercados da vida,
De quem lhes atribua inúmeros afetos.

Submersos na sua abundância e efemeridade
Tornamos nossos até os rótulos de outrora
Então somos embalados e exibimos agora
O código de barras como nossa verdadeira identidade.

Epifenômeno que somos desse sistema “maquínico”
Num frenesi coletivo o transformamos em nosso algoz
Ao fazer criatura e criador se confundirem dentro de nós
Como se não conhecêssemos, dessa estrutura, o mínimo.

Mas nesta rapsódia será uma luz que se apaga
O fim certeiro que buscaremos como solução
Quando depender apenas do aperto de um botão
Algum de nós deve restar para puxar a tomada

E encerrar, finalmente, esse império da ilusão
E o fascínio que reluz no horizonte dessa estrada.
A máquina de guerra finalmente desligada.
A flor que foi esmagada enfim retorna ao coração.

terça-feira, 15 de maio de 2012

PAPEL BRANCO


Papel branco, poeta calado
De sentimentos e sentidos tortos
Não emanam palavras de neurônios mortos
Nem da pena espremida pelo sono roubado.

Que há neste silêncio escondido?
Qual dor esta mudez segreda?
Dói aos olhos uma luz acesa
Dói a dor, o triste verso dolorido.

O segredo vem em comprimidos
Em pílulas de paraíso à mão
Cabeça, ombro, coluna e pressão
Destroços de membros, quebrados, torcidos.

Só não há remédio para este mundo
Para o poeta e sua pena triste
Não escrever sua história é a dor que persiste
Não ter, não ser, nunca chegar ao fundo...

E descobrir que sua pena não alcança o papel,
Que dele ri em sua palidez horrenda
E mesmo que o irrite, magoe e ofenda,
Diz que nunca serei de minha vida o menestrel.

Papel branco.
O poeta está calado.

quinta-feira, 29 de março de 2012

FINITUDE

É sábia a natureza que a tudo põe fim
E à tristeza que acompanha, envelhece e desgasta
A cada hora, a cada passo, dentro de mim
Como construções na areia sob o vento que passa

As imagens e sombras de um rito ideal
Como um vinho encorpado que no tempo se perdeu
Sucumbem lentamente na engrenagem sepulcral
De uma repetição interminável que até as cinzas dissolveu

Pois que assim tudo encontra, enfim, sua finitude
Deixando aos que ficam e lutam, a ilusão
De encontrar, em algum veneno, a fonte da juventude

Mas a matéria desagrega e os laços se vão
Desprezando o esforço, se decompõe amiúde
Entre a ciência e a arte: vida, contradição.

sábado, 18 de fevereiro de 2012

NOIVO DA MORTE

Peço que apague dos meus olhos esta luz

Para que eu possa ver nitidamente

A face negra do abismo à minha frente

Aonde a escuridão, minha amiga, me conduz


Por entre as rochas, seguro em sua mão fria

E vou sendo levado, o meu corpo por inteiro

Chegando a hora, espero o toque derradeiro

Ó treva divina, lhe recebo com alegria


Mas do outro lado algo mudou minha sorte

Tendo de fugir, atravessando a eternidade

Encontrei aprisionada em uma cela forte


Uma mulher, a qual tornei minha consorte

E o beijo que me deu em sinal de intimidade

Me trouxe a revelação: fiz de minha noiva a morte!