domingo, 25 de dezembro de 2011

POESIA É ARTE

A poesia é arte
Haja o que houver
A poesia apenas é
Aqui ou em qualquer parte

A parte que me couber
No latifúndio deste coração
Não é a ideia que me toma a mão
Nem o não que o sim não quer

O que me quer mesmo é a arte
Aqui ou em qualquer parte
Na palavra ou na imagem
Na imagem ou na palavra: arte!

sábado, 3 de dezembro de 2011

PASSIONAL

Minha poesia quer me abandonar
Quer descer a ladeira desgovernada
E mesmo tropeçando nas palavras
Deseja se libertar e impedir
Que minha pena lhe coloque freio.
Se rebela e me diz que anseia,
Ela própria, pôr sua assinatura após o verso final
E levar o verdadeiro crédito
Porque me vê apenas como mera ferramenta
Que por sua vontade guia minha mão
Para levá-la à materialidade do papel.
Então, ensandecido, peguei minha poesia pelo pescoço
E coloquei-a contra a parede.
A ameacei e lhe disse liberdades as mais impublicáveis.
E, depois de tudo isso, nos amamos.
Eu e minha poesia.
Gozamos, enquanto ela já se preparava para ir embora.
Me abandonou porque sabe
Que aqui sempre estarei
A esperá-la.

domingo, 20 de novembro de 2011

ÍCARO E A LUA

Dos becos escuros gritam em desatino
Angústias e esperanças da juvenil revoada
Começando sua busca, uma mística jornada
Inaugurada pela arrepiante badalada d’um sino

Não existiria objetivo, não fosse ele divino
Justificando o sol que ardia em sua face
Fornecendo o calor àquele fatal desenlace
Carregando su’alma nas tristes asas do destino.

No átrio a Lua o recebe, com sua luz caridosa,
Aquele que liderou os homens, de forma corajosa,
Contra a apolínea maldição no sonho do menino:

“Seu erro foi trocar a noite, mais formosa,
Onde minhas estrelas brilham em carícia luminosa,
Pela estrela única de um deus tolo e cabotino.”

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

PRENDAM O AUTOR!

Espetáculo vil que inflama a ditadura
A bandeira estrelada não pode ostentar
Nem dizer palavras que ofendam a censura
Nessa triste era para nossa cultura
Período de acontecimentos para rir ou chorar

Quando na porta do teatro um milico chegou
Esbravejando e mandando a peça parar
- O teatro não pára, disse o ator.
Irritado o milico começou a bradar:
- Pára tudo, pára tudo, prendam o autor!

- Para onde ele foi? o milico perguntou
Disse então o arauto: - ele foi pro aeroporto!
Assustado e alarmado um soldadinho gritou:
- Mobiliza o exército e a aeronáutica senhor!
Ao que responde o capitão: - quero ele vivo ou morto!

Mas o milico não se deu por satisfeito
E sob ameaça de tortura interrogou:
- Quem vai me dizer o nome do autor?
- Um tal de Sófocles é o nome do sujeito
- Ele saiu nesse instante seu doutor!

Pelo rádio o milico fechou o aeroporto
Mas o tal Sófocles não apareceu
E aquele procurado vivo ou morto
Mostrou que nosso regime ridículo e absorto
Levou nossa cultura, na Bahia, ao apogeu.

quarta-feira, 31 de agosto de 2011

CRIME E CASTIGO

Um criminoso procura redenção
Para uma vida de completa covardia.
Por tantos crimes até ele se condenaria
E nem na eternidade encontraria salvação.

Os incontáveis atos de conduta vergonhosa
Na sordidez de nossa hipócrita existência
Não autorizam a presunção de inocência
Nem aos que pregam certa moralidade vaidosa.

Mas nenhuma solução seria mais danosa
Para uma sociedade doente e criminosa
Que a instituição de um "isento" tribunal

Para o qual não pode haver atenuantes:
Os que julgam devem ser julgados antes
E condenados sempre à pena capital!

terça-feira, 2 de agosto de 2011

JARDIM MISTERIOSO

Adentrando novamente o jardim misterioso
Onde outrora um feitiço me havia aprisionado
Lembrei daquele livro ali abandonado
Contendo um enigma deveras assombroso

Embora seu segredo se tivesse revelado
Em um conhecimento inabalável e luminoso
A luz de sua efígie é um amuleto perigoso
Para os que, nesse jardim, só conheceram o pecado.

E apesar de conhecê-lo em seu estado glorioso
Quando por um golpe inesperado e nebuloso
Aparentemente o "Arquiteto" teria se enganado

O jardim permaneceu sombrio e majestoso
E por entre as brumas ecoou um anúncio espantoso:
"...o portão de sua entrada nunca mais será selado!"

sexta-feira, 22 de julho de 2011

UM SONETO BANCÁRIO-FILOSÓFICO

Um eclipse profundo em vastos horizontes
Anuncia o ocaso de uma era de martírios
Disseminando sofrimento em espasmódicos delírios
Nestas terras dominadas para além dos verdes montes

Sem limites estreitos para a brutalidade e o mal
Nossa longa jornada de antigos feitos
Se desfaz na solidão dos singulares e eleitos
Na era de ouro da irracionalidade racional

Pois que a razão se torna o algoz pungente
Desta nova ordem, da novíssima (conta) corrente
Como uma avalanche irrefreável de desumana moral

Com sua ética elástica, cunhada a ferro e fogo
Milimetricamente calculada na medida desse jogo,
De quem vende a própria alma por um cheque nominal.

terça-feira, 31 de maio de 2011

VIDA DE CADELA

Interpelado por aquele olhar pedinte
De tristeza profunda e presença tão ausente
Tocou meu coração de maneira tão pungente
A miserabilidade de uma vida que beira o acinte

Me diga como pode o homem ser tão vil
Tratando a inocência cruelmente e com desprezo
Será que não se sente nessa consciência o peso
Da maldade que se faz sem precisar nenhum ardil?

Quando até a benevolência se torna rejeitada
Por um ser cuja existência é uma dádiva marcada
Pelas chagas deixadas em um corpo moribundo

É sinal que nossa alma está dilacerada
Impotente e conivente com a sociedade retardada
Que maltrata os animais e ainda quer dominar do mundo.

quarta-feira, 18 de maio de 2011

O VERME

Na solitude e no silêncio dessa noite fria
Quando tanta falta o teu beijo me faz
Meu desejo, que sempre foi tão voraz,
É imensamente maior do que tua insegurança previa

Se nosso "estar no mundo" parece diferente
E as tempestades vêm como vão embora
A emoção que do meu coração aflora
Sob os lençóis só avista o teu olhar ardente

Vida tão boa quando esse olhar ardia
Entrelaçando o amor com essa picardia
De saliva deslizando em tua epiderme

Por isso, para mim, não existirá martírio
Pois o que eu quero é me afogar em teu doce delírio
E quando eu morrer, o que restar, fica para o verme!

quarta-feira, 11 de maio de 2011

NÃO HÁ HONRA AO NORTE DO EQUADOR

Dizem que ao sul não há pecado, sim senhor!
Por causa de nossa latinidade "sem cheiro nem sabor"
Mas não invada meu quintal companheiro, por favor
Só porque não há honra ao norte do Equador.

quarta-feira, 4 de maio de 2011

SARJETA

Meu coração está dilacerado
Esmagado na engrenagem deste mundo
Atirado num abismo tão profundo
Triste, vazio e abandonado.

Como pedinte mendigando atenção
Rastejando pela rua, moribundo
Meu coração, detestável vagabundo
Não tem sequer quem lhe carregue o caixão.

Rejeitado desde o nascimento
Sua vida é um eterno sofrimento
Rapsódia mal contada e desprezível

No chão frio onde tem sido sua morada
Meu coração encontra a última parada
Na sarjeta, o seu lugar, o possível.

quinta-feira, 3 de março de 2011

A DEUSA E A VERDADE

Como fiel devoto de uma Deusa tão carnívora
Efusivamente quero orar em teu templo majestoso
E demonstrar com toda força neste ato amoroso
A fé que te entrego de maneira inequívoca

Rigidamente colocado diante do teu ofertório
Como em ritos antigos, numa úmida caverna
Ponho em ti, teu santuário, minha Deusa morna e terna
Todo meu ser que adentrando alcança teu depositório

Seu culto erigido no esplendor da criação
É a divina essência transformada em lassidão
A natureza do pecado encarnada em brancas vestes

Ó minha Deusa venerada em línguas tão antigas
Ainda hoje é amada, apesar das eras idas
Pois teu ventre é semeado de verdades incontestes.

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

PERFEIÇÃO

Exemplo de comportamento perfeito
Referência de inteligência aguda
Refinamento e genialidade desnuda
Ausência de dúvida ou defeito

Como máquinas de uma projeção ideal
Essa prole nos enche de orgulho
Nem emitem sequer um barulho
Enquanto buscam o sentido desse mal

É nessa abundância prenhe de vazio
Que nossa indiferença deixa por um fio
Entre o coração e a mente, uma cisão

Descobrindo pelas formas mais amargas
No silêncio das frustrações sublimadas
Que a perfeição pode ser uma prisão.

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

ENSAIO SOBRE O NADA

O meu corpo é um frágil objeto
Habitado por uma "persona non grata"...
...sem destino, de origem abstrata,
É um eremita etéreo à procura de um teto

Marcado pela fragilidade humana
Incoerente, imperfeito e contraditório
Esse meu corpo é o infiel depositório
De uma dádiva, vez ou outra, sutil e mundana

Não há ponto nesse corpo em que a vastidão não cesse
O trabalho voraz que lhe toma o tempo
Fluxo vital que se perde em um momento
Toda vida passa e o Nada acontece!